Uma ordem que Paulo não obedeceu

 Um estudo de 1 Coríntios 9

 

Na sua primeira carta à igreja Coríntia, Paulo lida com uma série de questões levantadas pelos Coríntios Cristãos. Alguns deles consideravam-se livres de comer carne dos templos pagãos; outros pensavam que isso seria pecaminoso.

Paulo explica que a liberdade Cristã deve ser voluntariamente limitada, e neste caso os Cristãos livres deveriam manter-se fora dos templos pagãos para que não magoassem a fé dos Cristãos mais fracos. Ele ilustra esta conclusão dizendo que ele não comeria carne de todo, se comer fizesse com que alguém caísse em pecado (8: 13).

O quê? Não tem Paulo o direito de fazer o que quiser? Porque deverá a sua liberdade ser limitada pela imaturidade de outras pessoas?

Paulo explica que o amor requer auto-sacrifíçio, e dá um exemplo do seu próprio sacerdócio. Neste exemplo, a igreja Coríntia é fraca, e Paulo continua a abdicar dos seus direitos para evitar ofendê-los. Embora seja livre, ele escolhe ser um escravo por amor ao evangelho.

 

Os direitos de um apóstolo

 

"Não sou eu livre? Não sou eu um apóstolo? Não vi eu Jesus nosso Senhor? Não sois vós o resultado do meu trabalho no Senhor? Milito embora possa não ser um apóstolo para os outros, certamente que o sou para vós! Porque vós sois o selo do meu aposto lado no Senhor" (9: 1-2).

Aparentemente algumas pessoas na igreja Coríntia não respeitavam Paulo não o aceitavam como um apóstolo genuíno e recusavam-se a dar-lhe qualquer sustento. Paulo responde que tem totais credenciais apostólicas mas, mesmo por uma definição menor, eles deveriam aceitá-lo como um apóstolo porque foi ele quem lhes trouxe o evangelho. E por causa disso, ele tem determinados direitos.

"Esta é a minha defesa para aqueles que me julgam. Não teremos nós o direito à comida e à bebida? Não teremos nós o direito de tornar uma esposa crente connosco, tal como fazem os outros apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefàs?  Ou serei apenas eu e Barnabé que teremos de trabalhar para viver?" (9:3-6).

Outros apóstolos têm recebido sustento - o suficiente para suportar as suas esposas, também. Os Coríntios concordam aparentemente que aqueles apóstolos têm direito a um apoio financeiro, mas negam-no a Paulo. (Os outros apóstolos estavam convenientemente longe, mal tendo conhecimento dos Coríntios e sendo improvável que lhes pedissem sustento.)

Isto não é justo, diz Paulo. Barnabé e eu fazemos o mesmo tipo de trabalho, e deveríamos ter o mesmo tipo de sustento. Paulo dá alguns exemplos da sociedade secular: "Quem serve como soldado às suas próprias expensas? Quem planta uma vinha e não come das suas uvas? Quem cuida de um rebanho e não bebe o leite?" (9:7).

"Direi isto de um ponto meramente humano? Não diz a Lei a mesma coisa? Porque está escrito na Lei de Moisés: 'Não amordaces um boi enquanto ele esmaga o grão" (9:8, citando de Deuteronómio 25:4).

Esta lei não é simplesmente sobre animais, diz Paulo. É um princípio que se aplica às pessoas, também. "Estará Deus preocupado com bois? Certamente que diz isto para nós, não diz? Sim, isto foi escrito para nós, porque quando o lavrador lavra e o malhador malha, devem fazer isso na esperança de partilhar a colheita" (9:9-10). Sim, as pessoas deveriam ser pagas pelo trabalho que fazem.

 


A ordem de Deus

 

Paulo aplica então o princípio à sua própria situação: "Se nós plantamos a semente espiritual entre vós, será demasiado se colhermos de vós uma colheita material? Se os outros têm este de direito de sustento de vós, não teríamos nós ainda mais?" (9: 11-12). Por outras palavras: "Se eu vos dei o evangelho, deveríeis estar dispostos a sustentar-me porque eu prego o evangelho. Se eu vos dei algo de valor eterno, certamente deveríeis estar dispostos a dar-me coisas de valor temporário."

Nós temos esse direito, diz Paulo, "mas nós não usámos esse direito. Pelo contrário, aguentamos qualquer coisa em vez de estorvarmos o evangelho de Cristo" (9:12). Paulo está disposto a pôr de parte os seus direitos - o evangelho é mais importante para ele do que os seus próprios privilégios. O exemplo de Paulo é relevante para muitas situações modernas, e os seus comentários desafiam aqueles que recebem dinheiro tal como aqueles que deveriam dar. Todos os lados são chamados ao auto ­sacrifício por amor ao evangelho.

Isto é senso comum, parece Paulo dizer. O princípio é válido para bois, soldados, agricultores e pastores. Se o trabalho vale a pena ser feito, vale a pena suportá-lo, e isto também é válido na religião: "Não sabeis que aqueles que trabalham no templo recebem a sua comida do templo, e aqueles que servem no altar partilham do que é oferecido no altar?" (9: 13).

Para resolver o argumento, Paulo cita Jesus: "Do mesmo modo, o Senhor ordenou que todos aqueles que pregam o evangelho deveriam receber o seu sustento do evangelho" (9:14, talvez em alusão a Lucas 10:7). Mas Paulo realça de novo, "Eu não! usei nenhum destes direitos" (9:15).

Paulo apelida isto claramente uma ordem de Deus, e tal como claramente diz ele não obedece à ordem. Ele recebe o seu sustento fazendo i;t5-e.:Q4.q,_ ele compreende a ordem de Deus mais como uma ordem de dar do que de receber. A questão está na responsabilidade dos crentes em sustentar o trabalho do evangelho.

A prioridade para Paulo não é dinheiro, mas o evangelho. Ele coloca de parte de livre vontade o seu direito ao apoio financeiro para que as pessoas não pensem que a sua mensagem é apenas um discurso concebido para obter dinheiro. Alguns oradores Gregos ganhavam o seu sustento viajando e entretendo audiências com discursos. Outros formaram escolas e cobraram os alunos pelas aulas. Paulo não quer ninguém que pense que a sua mensagem é motivada por preocupações egoístas.

Mas a disposição de Paulo em sustentar-se não altera a ordem de Deus. Os pastores do evangelho têm direito a apoio financeiro, e os crentes têm a obrigação de fornecer o sustento. Mas Paulo não pede o seu próprio sustento. "Eu não escrevo isto na esperança que façais tais coisas por mim. Preferia morrer do que alguém privar-me deste orgulho" (9: 15).

Mesmo nesta carta, Paulo não pede aos Coríntios que o sustentem. O seu pedido poderia ser para a colecta que estava a coordenar para os crentes de Jerusalém (16:1-4). Ele quer deixar claro que não prega para seu próprio benefício. Em vez disso, ele prega porque o Senhor ordenou-lhe que pregasse. O evangelho é a sua prioridade: "Quando 'prego o evangelho, não me posso gabar, porque sou compelido a pregar. Pobre de mim se não pregar o evangelho! Se eu prego voluntariamente, tenho uma recompensa; se não for voluntariamente, simplesmente estou a retirar a confiança empenhada em mim" (9: 16-17). Paulo sente-se compelido, não totalmente seguro se é um voluntário ou um escravo. Como faz o seu dever, também se sente recompensado.

"Qual é então a minha recompensa? Apenas esta: que na pregação do evangelho eu possa oferecê-la sem cobrar, e assim não fazer uso dos meus direitos ao pregá-lo"

 


(9:18). Paulo sentia-se bem ao ser capaz de pregar sem pedir dinheiro. Essa perspectiva pode ser boa quando se prega aos não crentes, mas eventualmente chega um tempo, como chegou aqui para Paulo, em que os crentes têm que ser ensinados sobre a ordem do Senhor. Aqueles que aceitam o evangelho da graça têm que tomar-se graciosos.

 

Um escravo de todos

 

Paulo usa-se de novo como uma ilustração de como os crentes deveriam responder ao evangelho com auto-sacrifício: "Embora eu seja livre e não pertença a homem algum, eu faço-me escravo de todos, para conquistar os mais que puder" (9:19). O seu objectivo é o evangelho, não ele próprio. Ele coloca de parte os seus direitos, desiste da sua liberdade, para fazer o trabalho que Deus lhe deu.

"Para os Judeus tomei-me como um Judeu, para conquistar os Judeus. Para aqueles que estão sob a lei tomei-me como alguém que estivesse sob a lei (embora eu mesmo não esteja sob a lei), para conquistar aqueles que estão sob a lei" (9:20). Jesus, como Judeu, nasceu "sob a lei" (Gálatas 4:4). Os Judeus estavam sob a lei, e Paulo obedeceu a lei quando estava com os Judeus. Porquê? Para conquistar os Judeus, para ajudá-los a aceitar o evangelho.

Mas Paulo também realça que ele não está sob a lei. Pelo contrário, ele tem liberdade para viver com um gentio (Gálatas 2:14), para viver como se não tivesse nenhuma obrigação para com a lei, como vemos no versículo 21: "Para aqueles que não têm a lei eu tomei-me como alguém que não tinha a lei (embora eu não esteja livre da lei de Deus mas esteja sob a lei de Cristo), de modo a conquistar aqueles que não tinham lei."

A prioridade de Paulo é conquistar pessoas, tomar o evangelho atractivo. Ele está obrigado pela lei de Cristo a colocar de parte as suas preferências pessoais para que possa servir outros. Ele usa a sua liberdade em Cristo para ser um escravo, para adaptar o seu comportamento à situação. O seu principal objectivo não é manter a tradição ou lutar contra a tradição, nem tomar o partido de um grupo étnico ou de outro, mas pregar Cristo.

"Para os fracos eu tomei-me fraco, para conquistar os fracos. Tomei-me todas as coisas para todos os homens para que de todos os meios possíveis pudesse salvar alguém. Faço isto tudo por amor ao evangelho, para que possa partilhar das suas bênçãos" (9:22-23).

Paulo não se quer desmarcar (9:27) vivendo uma vida auto-centrada. Ele faz todos os possíveis para servir outros, para servir o evangelho. O seu exemplo é consistente com a sua mensagem: a mensagem que Deus amou tanto o mundo que enviou Jesus para morrer por nós. Embora fossemos inimigos, Jesus desistiu dos seus direitos e desistiu da sua vida como um resgate por nós.

O exemplo que Jesus coloca inclui uma ordem para todos nós: Aqueles que recebem bênçãos espirituais devem estar dispostos a partilhar as coisas materiais.

 

Michael Morrison

 

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